Nós vamos cuspir na sua cara
Um tempo onde a diversidade seja não apenas reconhecida e respeitada, mas sim valorizada como nossa maior riqueza. Um tempo onde aceleremos a necessária redução não só das desigualdades, mas também do lixo, das emissões de carbono, da poluição ambiental. É neste contexto que precisamos olhar a crise brasileira, para que a baixaria dos ratos da cleptocracia tradicional não reduza nosso horizonte utópico. Não seria justo com o Brasil.
Ilustração: Sophia Emekay
Não é justo com nossa geração. Não é justo com os desafios de nosso tempo. A luta, efetivamente, está só começando e se dá todo dia.
Não se trata apenas de se curvar ou não ao golpe baixo de Cunha. Trata-se de que outro horizonte se abra sobre nós para os fazimentos políticos, para as invenções coletivas, para as batalhas reais que o século XXI está a nos exigir: as mudanças de comportamento e visão de mundo; a reestruturação da economia a partir de suas dinâmicas vivas, colaborativas e não-competitivivas; a ocupação de todos os espaços de poder político pela mais ampla representatividade inclusiva na qual mulheres, negros, LGBT’s, indígenas e pobres possamos sair do ‘apartheid político’ no qual estamos confinados e que nos exclui da arena das decisões públicas.
Durante uma longa sessão de tortura coletiva, o Brasil conheceu sua Câmara Federal, aquilo que muitos países chamam de câmara baixa, não pelas ‘baixarias’ que vimos no domingo, mas por ser a base da pirâmide representativa em escala nacional. Somos mais de 200 milhões de brasileiros. É natural, portanto, que a Câmara seja grande. São 513 deputados federais. Quantos indígenas? Quantos negros? Quantas mulheres? Um só gay orgulhoso.
Ofendido e humilhado sistematicamente dentro da própria Câmara, com seu cuspe na cara imunda do fascismo, Jean Wyllys representa um basta que todos nós dizemos coletivamente: um não à covardia, ao preconceito e à morte! Os que atacaram Jean Wyllys dentro do plenário são os mesmos que matam diariamente negros na periferia, LGBT’s no asfalto e mulheres dentro de suas próprias casas apesar do louvor público à família. Nunca fomos pacíficos nem muito menos cordiais. No Brasil, a culpa é sempre da vítima o que por si só é uma desumana injustiça! É isto que estamos assistindo novamente. Tão somente isto: a culpa recai sobre a vítima. O Brasil é um lugar que ser daqui dói e nós conhecemos esta dor.
Ao afirmar que #SomosTodosJeanWyllys cuspimos nós também na cara da hipocrisia, da violência, do genocídio e da dor cotidiana banalizados e naturalizados por aqueles que tem assegurado seu lugar de fala. Na tribuna da Câmara, na mídia, na academia e no mercado estamos há mais de 500 anos escutando os mesmos. São a voz remodulada do Senhor de Escravo, sua moral abjeta, sua corrupção na alma, sua desumanidade, seu desamor. À elite político-midiática do país e os imbecis da internet que estão escandalizados com o cuspe de Jean devemos advertir que Jean Wyllys somos muitos e que vai faltar saliva. Nós vamos sacudir este país e vamos cuspir na cara do mal que insiste em sambar na cara do Brasil e fazer sangrar nossos corpos. Somos todos Jean Wyllys contra o horror que precisa ser definitivamente deixado pra trás como condição de futuro comum. Somos todos Jean Wyllys porque temos uns aos outros e já sabemos de nosso imenso poder. Somos todos Jean Wyllys porque aqui neste país nós ousaremos viver sem dor. Juntos podemos!