Formatura da turma 014 do bacharelado em Linguística

 

Boa tarde a todos,

cumprimento as autoridades e os colegas da mesa e muito especialmente os pais, amigos e companheiros dos formandos, que vieram hoje celebrar o fim de um ciclo tão importante: o ciclo de formação dos profissionais que vocês agora são, aptos a trabalhar com a língua, com a palavra, com os textos, com os discursos que movem o mundo porque promovem crenças e sustentam valores. Não é pouca coisa, não é?

Sabemos, nós linguistas, do poder imenso que há nas palavras, mesmo nessas que circulam como se dissessem coisinhas miúdas sem relevância.

Sabemos que sempre há embate, que a disputa pelo sentido de uma palavra é a disputa pela descrição da realidade. Por isso é tão grave esse fenômeno que temos chamado de “fake news”: quem se autoriza a produzir e espalhar notícias falsas? E, mais importante ainda, quem tem o poder de avaliar que notícias são realmente falsas?

Eu diria estas coisas a todas as turmas que concluem o bacharelado em linguística, mas de fato há algo de muito especial pra mim em dizer isto a esta turma. Explico por quê.

Estivemos juntos sobretudo nos últimos dois anos, em várias disciplinas, justamente no ano em que vocês estagiavam e eu, como Coordenadora de Estágio, tinha contato com as histórias que vocês viviam nas primeiras experiências de trabalhadores que têm a língua como objeto de trabalho.

Estamos falando de 2016 e 17, quando começou a desmoronar o que chamamos Estado de Direito, quando as leis (que são feitas de língua, de palavras, de textos, de discursos…) passaram a não valer como valiam. Neste momento, nos espaços que deveriam zelar pelas leis – que são, afinal, o que impede a barbárie –, tudo o que se diz passou a flutuar como flutuam as palavras num canal de televisão qualquer. Quando isso acontece, ficamos desprovidos como cidadãos… e fica difícil fazer grandes planos…

Nestes anos, estivemos juntos estudando as relações entre comunicação e espaço público, enquanto víamos esse espaço público ser reduzido; estudando discurso literário, enquanto víamos a cultura ser sufocada como expressão; estudando a produção e a circulação dos textos, vimos serem censuradas várias formas de distribuição do conhecimento.

Vimos o quanto a universidade tem sido alvo de ações destrutivas… Os próprios servidores públicos têm sido difamados, as pesquisas têm perdido financiamento, a ideia de ensino público, gratuito e de qualidade foi sendo substituída por uma propaganda de ensino como um produto consumível pelo qual se deve pagar se se quiser que ele seja bom – e ser bom, nesse caso, tem a ver com satisfazer a reprodução do que já está aí, do que já é engrenagem rodando e moendo as vidas.

A Universidade, vocês que passaram por ela agora sabem, não é um lugar de reprodução e de moer vidas. Ao contrário! É um lugar de invenção, de experimentação, de enfrentamentos que exigem da gente ir além, buscar… A universidade é um lugar incentivador das potências.

E quando vemos que a opressão contra esse tipo de potência pode chegar à proibição de dizer certas coisas, aí podemos começar a temer pelo futuro.

Isso está acontecendo agora nos EUA, por exemplo: os funcionários da Agência de Saúde Pública foram oficialmente proibidos de usar sete termos: “vulnerável”, “direito”, “diversidade”, “transgênero”, “feto”, “baseado em evidências” e “baseado em ciência”.

Sabemos que não se trata de proibir umas palavrinhas, mas de tentar apagar os sentidos que elas fazem vibrar. É um totalitarismo assustador! Diante do qual só podemos sobreviver, se aliarmos um profundo conhecimento das palavras a uma potência criativa de luta pelo espaço público – efetivamente público – e pelo bem comum – efetivamente de todos.

Diante disso, quando eu olho pra vocês, que chegaram a uma universidade flamejante, cheia de projetos e viram como muito rapidamente as potências criativas podem ser corroídas, EU DECIDO NÃO TEMER. Porque confio no que vivemos juntos, confio que a potência de vocês é feita da abertura para o encontro com o outro. Confio, então, sinceramente, que vocês serão capazes de virar este jogo.

Fico muito agradecida pela companhia nesta jornada e também por me permitirem dizer estas palavras hoje. E assim, agradecida, faço meus votos, que vão na direção contrária desse quadro sombrio:

Desejo que vocês estejam sempre atentos e fortes.

E que lutem criativamente, amorosamente, para pôr no mundo, como trabalhadores, o que aprenderam nestes anos de graduação.

 

 

Luciana Salazar Salgado

janeiro de 2018