Querido L.u.l.a,

Veja só, você, uma autoridade dessa envergadura, pode ser chamado por uma cidadã comum de você, de querido, de L.u.l.a – tudo isso é, aqui, respeito e reverência a essa autoridade constituída na luta e na coragem de governar propositivamente.

Quero falar sobre isto: governar propositivamente, a coisa mais difícil e mais necessária nestes tempos, que implica assumir os riscos de apostar no novo e nos espaços de criação; que implicou, no seu caso, apostar no compromisso que se intitulava “A imaginação a serviço do Brasil” e cuidar de fazê-lo valer no jogo rápido da política administrativa, tão exigente de intuição, para além de conhecimento acumulado e estudo permanente.

E, com essa coragem, a cultura foi finalmente posta no centro da política. Não só no centro de um Ministério criativo e fomentador da inversão de lógicas atávicas (os Pontos de Cultura foram isso, quem não sabe?), mas também no centro das políticas empoderadoras de novos protagonismos e na distribuição possível e certeira de algum dinheiro, de espaços de sociabilidade, do território efetivo. O Brasil se remexeu todo. E agora vemos quanto! Teve gente que não gostou e se lançou, com rancor, contra o que entendeu ser a fonte desse remeximento. Ao verem alguns de seus hábitos mudados por uma e outra paisagem diferente, pela diversidade vicejante no embate inescapável que é a democracia de todo dia, seres enrijecidos apostaram numa destruição sem fim de tudo que encontram pela frente com cara de abertura, experimentação, partilha, amor.

Nossa sorte é que essa gente não entende que a fonte é imensa e múltipla, e que tudo o que se semeou não morre numa tacada só, por maior que seja a maldade de que ela é investida.

Eu não tenho uma história pessoal de superação pra contar, vivida nos tempos em que criamos, juntos, um Brasil mais dono de suas potências. Mas tenho um caminho trilhado ao lado de muitas e muitas dessas histórias de superação e quis fazer hoje este registro, que retoma, de certo modo, uma cartinha que mandei pelas mãos de Eduardo Suplicy, numa visita em que ele levou um calhamaço de cartas afetuosas, quase todas de gente que dava como certo que seria breve seu encarceramento.

Pois esse encarceramento já não só é longo como cada dia mais ostensivamente injusto, mais sordidamente criminoso. E tenho vontade de dizer que a dor que agora sentimos, numa conjuntura empobrecedora de tudo (corpos e espíritos), não nos derruba porque a imaginação esteve, sim, a serviço do Brasil, e as grandes linhas que foram traçadas, os vetores que foram favorecidos, semearam coisa boa, semente que vai brotando aqui e ali, capaz de seguir imaginando-se.

Em 2010, dei uma virada enorme na vida ao mudar de cidade, entrar na universidade e participar do que nela se inventava: a potência do ensino, da pesquisa, do contato entre o dentro e o fora da academia, numa rede sistêmica jamais vista antes, numa circulação de gente por todo o país, os brasileiros conhecendo o Brasil, num fervilhamento de pensamento novo, de pensamento nosso, de pensamento jovem e vigoroso. Vi com meus próprios olhos a beleza dessa universidade cheia de gente vinda de tudo que era canto, as muitas línguas do território nacional ocupando as salas de aula, reivindicando espaço nos papers, nas teses, nas assembleias, nos colegiados.

Vivi, de muitos modos, a mais profunda discussão sobre inclusão, com a grande pergunta que se pôs: chegam os que nunca tinham chegado à universidade para serem como somos, os que sempre estivemos aqui? Ou para sermos, todos, o que essa chegada agora nos exige? Que experiência de alteridade genuína vivemos na universidade nesses tempos em que as potências, incentivadas, desafiavam as próprias estruturas que as viabilizaram, querendo ir mais adiante, querendo mais do que pôr pra dentro quem esteve de fora por séculos, querendo pensar esse “dentro”, o que ele é, o que ele pode ser.

Quando você repete, Lula, com justeza e legitimidade, o número de instituições de ensino superior que seu governo criou, sempre rio sozinha pensando o quanto essa métrica não dá conta do que de fato houve: uma imensa rede de afetos e de afetados, um remeximento em tudo, na própria hierarquia universitária e entre as universidades brasileiras. E também de tudo o que, partindo delas, toca a sociedade. E de tudo o que, vindo da sociedade, chega nelas pulsante, demandando acolhimento, entendimento e transformação.

Querido L.u.l.a, eu me engajaria mil vezes de novo neste que, em meus 50 anos de vida, foi o tempo mais alvissareiro e criativo da minha existência. Então, quando a barra pesa – e nas universidades tem pesado pra valer! –, fecho os olhos e me lembro do que senti em 2002, naquela noite na Avenida Paulista, ao lado de muitos amigos, alguns colegas e uma multidão de companheiros. Era a maior felicidade do mundo que vinha junto com a maior responsabilidade do mundo: criar nosso próprio destino.

L.u.l.a, você sabe, eu sei que você sabe, mas queria que soubesse que muitos de nós também sabemos: o que se semeou foi o dom de imaginar, de pôr-se no mundo propositivamente – o anti-reacionarismo. Faremos boa coisa disso, estou certa.

Pra já, a luta imediata é contra as injúrias que os reacionários, no seu susto e na sua vileza, estão nos impondo. Não passarão.

Te abraço com carinho imenso, agradecida sempre,

Luciana Salazar Salgado