Boschi, Helena Maria. A constituição da fórmula discursiva “cultura de paz”: circulação e produção dos sentidos. Dissertação (Mestrado). Centro de Educação e Ciências Humanas. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2014.

Este trabalho se inscreve no quadro teórico da Análise do Discurso (AD) francesa de base enunciativa, que vê a língua como constitutivamente opaca e polissêmica e os discursos como práticas discursivas que se estabelecem e se materializam nos dizeres e nas ações, obedecendo a sistemas semânticos histórica e socialmente definidos (cf. Maingueneau, [1984] 2008). Mais especificamente, tem como base principal a proposta teórico-metodológica de Alice Krieg-Planque (2003; 2010) acerca da noção fórmula discursiva, instrumentalizadora da análise da circulação e da produção de sentidos de sintagmas que, linguisticamente cristalizados, mostram-se, em seus usos, como lugares de tensão, pontos de convergência de questões sociais diversas debatidas no espaço público. De maneira complementar, contribuíram para a análise e a interpretação dos dados leituras paralelas de outras disciplinas, dentre as quais destacamos as referentes à Geografia Nova de Milton Santos (1994; 2000) em suas considerações no que tange ao período técnico-científico informacional e à importância das técnicas e das práticas em nossa concepção de tempo, de espaço e, enfim, de sociedade. Buscamos rastrear o percurso de “cultura de paz” no espaço público brasileiro desde sua gênese institucional, passando pelas condições de produção que permitiram sua emergência em 1989, no Congresso Internacional sobre a Paz na Mente dos Homens, organizado pela Unesco em Yamoussoukro (Costa do Marfim), e verificando sua consolidação e seu funcionamento como fórmula discursiva durante o período que ficou conhecido como Década Internacional de uma Cultura de Paz e Não Violência para as Crianças do Mundo (2001-2010 – Onu) até o momento atual, a fim de mostrar como é produzido um efeito de consenso na superfície linguística de um sintagma que, ao circular, é convocado por interpretações diversas que partem majoritariamente do sema central “convivência” (entre pessoas, com a natureza, entre as religiões, entre parceiros sexuais etc.). Como ponto de partida, fizemos um levantamento das ocorrências desse termo nos jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e Brasil de Fato, de abrangência nacional, verificando posteriormente uma circulação mais expressiva do sintagma com uma vasta pesquisa realizada em buscadores, dentre os quais, destacadamente, o Google Search – decisão que implicou considerações de ordem metodológica que fizeram parte da pesquisa. Cabe enfatizar que consideramos mais importante a diversidade de fontes do que a quantidade e a repetição de ocorrências, entendendo os casos de maior dispersão como indícios importantes do espraiamento semântico de “cultura de paz” no interdiscurso e, portanto, de sua condição de fórmula discursiva. Desse modo, analisamos as diferentes interpretações que caracterizam os discursos de atores sociais que mobilizaram o sintagma, amplamente utilizado em encontros e documentos internacionais e nacionais, abrangendo questões políticas e sociais diversas, procurando verificar as práticas que o cristalizam e que são, ao mesmo tempo, por ele instituídas, num paradoxo constitutivo.

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Convivencia semas